#44 Quem é você?
Como você se apresentaria se ninguém quisesse saber sua idade, profissão, estado civil, idade e endereço?
Nesta edição você encontra: meu texto tema, 1 texto convidado e 1 dica.
O que me define?
(por Isabel Trindade)
Independente da razão pela qual precise fazer isso, aposto que ao receber a tarefa de se apresentar, sua profissão será uma das 3 primeiras coisas mencionadas, ainda que você não seja o maior fã do seu trabalho.
O tempo todo e por todos somos julgados pelo que somos e temos. Repara só: perguntar o que faz da vida, onde mora, se é casado, se tem filhos, serve para mapearmos mentalmente quem é aquela pessoa e, minimamente, saber o que esperar (ou não) dela. Mesmo sendo perguntas superficiais que dizem pouquíssimo sobre o outro.
Sou advogada, casada - sem papel -, sem filho, moro na Tijuca e trabalho numa empresa de previdência complementar. Entrei na pandemia, 100% home office e há algum tempo em regime híbrido, vivo a – até então inédita – experiência de não criar muitas conexões profundas no ambiente corporativo. Apesar de lamentar profundamente, volta e meia me pergunto se a culpa é mesmo do cenário atual ou se fui eu que mudei depois disso tudo e estou menos disposta e insistente para criar tais laços. De qualquer forma, sei que tento. Pelo menos quando chego na empresa num dia bom – leia-se bom pra mim, claro.
Num desses dias, encontrei no banheiro uma colega por quem tenho carinho. Ela é casada, mãe, atuária e do mesmo bairro que eu. É mais reservada, fala pouco, mas depois de nos cumprimentarmos, abriu um sorriso de orelha a orelha, exibiu o orgulho que mal cabia em seu peito e disse: minha filha vai fazer arquitetura. Contou que ela muito desenha bem, é muito esforçada, que quer só ver se vai dar conta de ir e voltar pra faculdade federal que é longe à beça de casa. Fiquei verdadeiramente feliz por ela, parabenizei e reforcei que aquele mérito também era seu!
Voltei pra minha mesa rindo sozinha pensando que, com 17 anos, se meus pais abriam a boca pra falar de mim, era com vergonha, para desabafar, confidenciar lamúrias sobre minha rebeldia, meus fracassos e seus temores quanto ao meu futuro por eu não ser chegada aos estudos e só pensar em cursos nada convencionais para o vestibular. Nunca fui a melhor aluna da turma, não passei pra faculdade pública e se eu não me orgulho dos meus feitos adolescentes, obviamente ninguém mais.
Já tem 12 anos, porém, que, certamente, eles exibem uma discreta vaidade ao me apresentar. Sei por que também já senti isso. Hoje, não. Chego a revirar os olhos quando digo que sou advogada, para demonstrar a chatice que atualmente isso significa pra mim. E sei que só cheguei aonde estou para que meus pais pudessem demonstrar tanto orgulho ao falar de mim quanto à mãe da futura arquiteta.
O que eu queria mesmo, era que esse orgulho atingisse os méritos que conquistei, mas que dificilmente são valorizados naquele mapa julgador. Capacidade de comunicação e jeito espontâneo são dignos de ostentar aos quatro cantos – fala muito bem, conversa com qualquer um! Sensibilidade também seria, mas acabou virando estigma de dramática – se emociona e vibra com os sentimentos alheios! Habilidades sociais para olhar no olho, ouvir, acolher, cuidar são valiosíssimas – vive rodeada de amigos, é muito amada! Terapia há mais de década, então... - a única da família! Reconhece seus próprios erros que é uma beleza, quanta autorresponsabilidade! Leitora voraz, adora arte – sim, muito culta! E agora deu pra escrever pra todo mundo ler – tem que ver, cada texto bom! Segue lá, vou te mandar o link!
Tanto pra ser, pra explorar. Tanto pra falar, se orgulhar. Minha profissão definitivamente é o que menos me define. Sou muito mais, ainda que isso não tenha valor para os julgamentos sociais. E agora, adulta, isso tem que ser o suficiente.
Muito prazer! Sou Isabel, uma comunicadora nata, com alma de artista, entusiasta da cultura, de choro fácil, tenho os melhores amigos do mundo, sou terapeutizada, fã de crianças, propagadora da educação respeitosa, escritora e mais um monte de coisa. E você, quem é?
Minha carteirinha de advogada expedida em 2012.
Unicórnio
(por Marcela Carrión)
Atenção, senhoras e senhores! (rufar de tambores)
A maternidade perfeita não existe (um minuto de silêncio, por favor).
Pá, inaugurada já assim de cara, no nascimento da minha filha. Como boa mãe de primeira viagem, controladora e perfeccionista, busquei todas as informações possíveis.
Parto humanizado, doula, médico não cesarista, hospital parto normal friendly, melhor pediatra de sala de parto, livros sobre como parir com Nando Reis ao fundo, o renascimento do parto 1, 2, 3, o retorno “I’ll be back”.
Ela nasceu e nada do que eu havia fantasiado estava ali. Sim, foi parto normal. Sim, sem anestesia. Sim, com doula. Sim, com médico respeitoso. Sim, com marido segurando a mão. Não, sem Nando Reis ao fundo (porque o marido simplesmente resolveu escolher uma playlist aleatória em vez da playlist cuidadosamente montada, chamada “nascimento da Manu” - reza a lenda que ele não encontrou no armário junto com as toalhas que ele nunca acha). Inclusive, peguei ranço de Bon Jovi desde aquele dia.
Onde eu estava mesmo? Ah, lembrei.. continuando.
Fora o fato de ter sido necessário induzir o parto (e a playlist aleatória), o resto estava dentro do planejado. Mas porque será então que o incrível unicórnio branco e rosa da maternidade não se fez presente naquele momento?
Porque o buraco é beeeeeeem mais embaixo (sem trocadilhos, por favor).
Claro que toda informação me foi útil, que me ajudou a me preparar para aquele momento, mas existe algo que ninguém conta (e não só em relação ao parto): você não tem o controle.
E é justamente aí que o bicho pega, que o caldo azeda, que a jiripoca pia.
Enquanto a gente não aprender a normalizar o “fora do nosso controle”, o unicórnio da maternidade vai estar sempre lá para sambar na sua cara e rir da sua ingenuidade.
Depois de tanto samba e frustração, aprendi que o segredo é sim se informar, aprender, tentar, errar, acertar, mas, acima de tudo, entender que mesmo fazendo o nosso melhor, em algum momento o incontrolável aparece para nos lembrar que “nope, não será como o planejado”.
Mas, vejam, senhoras e senhores, isso não é ruim, tampouco uma desculpa para sair tacando o Zeca por aí (“vida leva eu…”). Ser responsável nada tem a ver com se amarrar a uma bola de ferro de culpa e lamentos, caso a vida resolva simplesmente “cagar com os seus planos”.
Colocar um ser humano no mundo (nesse, então…) é uma baita responsabilidade, mas como todo caminho, este também se faz ao caminhar. Estar aberto para a vida, para os erros além dos acertos, nos faz perceber que o pangaré da vida real pode nos levar mais longe e mais feliz do que o unicórnio alado da ilusão da vida perfeita.
É uma dica!
O curta-metragem indicado ao Oscar 2025, Anuja, disponível na Netflix. Sobre uma menininha linda, encantadora e inteligente, que precisa tomar uma difícil decisão a respeito da própria vida. Singelo, emocionante, esperançoso, bonito e necessariamente doloroso. Não preciso assistir mais nenhum, já tem a minha torcida por tudo que é e pela história da atriz protagonista - que você vai conhecer no final!
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Obrigada por ler e até a próxima edição!
Que texto incrível, Isabel! A reflexão sobre identidade e os julgamentos sociais é bem profunda. Adorei também a forma como você expôs sua percepção com autenticidade e leveza(impossível não se identificar). Parabéns pela escrita envolvente e pela maneira brilhante de expressar o que realmente importa!
Sou a mãe da amiga que viajou com você no texto… percorri na memória a sua jornada. Muito prazer , mais uma vez de ler você, a AMIGA Bel.