#45 Proibido crianças!
De um lado uma mãe preocupada com o incômodo que sua filha pequena pode causar num voo. Do outro, a sociedade excluindo crianças para evitar incômodo aos adultos. É polêmico! E tudo bem discordarmos.
Uma criança incomoda muita gente. Um adulto incomoda muito mais.
(por Isabel Trindade)
Leticia (nome fictício) é uma mulher branca, de 40 anos e, como quase toda mãe, sobrecarregada, mesmo casada com o pai da criança que ela equivocadamente insiste em tratar como “rede de apoio”, apesar de eu já ter explicado que pai é responsável, tem obrigações. Pai não ajuda a mãe. Por morar em outro estado e sem esse privilégio, Leticia só pode contar com o marido, para tudo.
Sua família está no Rio de Janeiro e ela anseia pelo momento que poderá trazer a filha para conhecer sua cidade natal, seus amigos, seu lugar antes de ser mãe. E enquanto conversávamos, empolgadas com a visita breve que fará, Leticia me confidenciou uma preocupação que tem tirado seu sono: viajará de avião sozinha com a filha – um voo curto – e está apavorada por não saber como será o comportamento da menina de 1 ano de idade, diante dessa inédita experiência. O medo de Leticia é a menina incomodar os passageiros. Para mitigar esse risco e inspirada numa matéria que leu em algum lugar, sobre outra mãe que num voo de mais de 10 horas distribuiu kits para os passageiros, com abafador de ruído, um docinho e um bilhete pedindo desculpas antecipadamente pela postura de sua filha - uma criança pequena -, Leticia planeja fazer o mesmo.
Aí eu lembrei da, cada vez mais comum, onda childfree, que atualmente em bom português significa a proibição de crianças em lugares que são totalmente apropriados para elas: hotéis, pousadas, restaurantes e voos (já tem área longe de criança). Como adepta do ditado africano “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”, acredito que é responsabilidade coletiva cuidar delas. Se é inaceitável proibir a permanência de pessoas por gênero, cor ou classe social, nunca vou entender como a gente normaliza que isso seja feito com crianças.
Crianças são barulhentas, fazem birra, são cheias de energia, de alegria, de vida. São incapazes de lidar com suas emoções e seus incômodos. Crianças podem incomodar. E claro que eu já passei um voo inteiro pau da vida porque fui ouvindo choro do início ao fim. Mas isso era pouco perto do visível desespero daquela mãe que tentava de tudo para calar a criança, enquanto ainda precisava lidar com as caras feias dos incomodados e com a responsabilidade não culposa de incomodar.
Adultos também incomodam e não vejo plaquinhas proibindo sua entrada por aí. Também já deixei de dormir num voo por estar perto de uma pessoa que roncava forte como um trator. E já quase passei mal porque algum mal-educado peidou da decolagem até a aterrisagem. Eu escolheria uma sessão de cinema sem algum sem noção que conversa sem parar com seu acompanhante ou que fica mexendo no celular o filme todo iluminando a sala escura. Preferiria frequentar uma praia que não aparecesse um metido a DJ para me obrigar a ouvir sua playlist - mesmo sendo proibido caixas de som ali. Gostaria de não ser obrigada a conviver com pessoas racistas, machistas e homofóbicas. Mas não dá. Porque conviver em sociedade é ter de lidar com pessoas diferentes da gente, com nossos incômodos e revoltas.
Adultos têm capacidade de regular suas emoções e de seguir regras – apesar de muitos não serem capazes. Ainda assim esquecem que não nasceram grandes, que um dia quiseram ou precisaram andar de avião. Esquecem que criança é parte da sociedade. E do quanto precisaram ser tolerados e acolhidos na infância.
Parece até inofensivo. Não concorda, é só não frequentar esses lugares, dizem os defensores - grupo composto também por mães. Lembremos que a exclusão de uma criança, quase sempre, é acompanhada da exclusão de uma mulher. Obviamente, evitarei os locais, mesmo nem filhos tendo. Seguirei respondendo “claro!” quando perguntarem se podem levar crianças para minha casa. E oferecerei um sorriso para Leticia ou qualquer outra mãe preocupada em viajar com seu filho pequeno - como se já não bastassem todas as outras preocupações e culpas da maternidade. Esse é o meu kit para elas.
É uma dica!
A minissérie Adolescência, o mais novo grande sucesso da Netflix. São 4 episódios que abordam de diferentes pontos de vista da prisão de um menino de 13 anos acusado de assassinar uma colega da escola. Com direção primorosa em plano sequência, parece que estamos vivendo tudo aquilo de pertinho e dá uma angústia ainda maior. Para somar, o roteiro prende a gente do início ao fim, com diálogos dilacerantes, e atores incríveis. É forte, dói, devasta. Mas é urgente. Especialmente - mas não somente - para quem educa crianças. Assista!
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Tenho duas filhas pequenas, uma delas com TDAH e jamais vou aceitar normalizarem adultos cheios de cabelo no rabo que não sabem lidar com as próprias frustrações. Não é a criança ou o que a criança faz, mas a forma como um adulto (reitero) se porta diante de uma frustração.
Achei ótimo o texto! É verdadeiro, sensível e faz pensar.